A Constituição Federal garante a brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à propriedade privada. Entretanto, esse direito não é absoluto, pois há princípios constitucionais que impõem limites ao seu exercício.
Tendo em vista que as relações entre vizinhos, por vezes, geram bastante animosidades e atritos, o legislador se preocupou em estabelecer diversas previsões que pudessem regulamentar essas relações, prezando sempre pelos princípios da boa-fé e da função social e econômica da propriedade, a fim de atingir o bom convívio da vizinhança.
Nesse sentido, o Código Civil brasileiro apresenta uma série de hipóteses que determinam restrições ao uso da propriedade imobiliária. Esses normativos configuram o chamado Direito de Vizinhança, que tem o objetivo de regulamentar as relações sociais e jurídicas entre titulares de direito real sobre imóveis próximos, em prol da harmonia entre os vizinhos.
A lei dispõe sobre os seguintes tópicos acerca desse tema: 1) o uso anormal da propriedade; 2) as árvores limítrofes; 3) a passagem forçada; 4) a passagem de cabos e tubulações; 5) as águas; 6) os limites entre prédios e o direito de tapagem; e 7) o direito de construir.
Em relação ao uso anormal da propriedade, de forma genérica, o proprietário ou possuidor pode fazer cessar quaisquer interferências provocadas por vizinhos que sejam prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, salvo quando tais interferências forem justificadas pelo interesse público.
É em razão dessa previsão que se pode impedir, por exemplo, que determinado vizinho emita muitos ruídos, ou que armazene em sua propriedade grandes quantidades de entulho, atraindo insetos e animais transmissores de doenças.
O uso anormal da propriedade também garante ao proprietário ou possuidor o direito de exigir do vizinho a demolição ou reparação do imóvel em que houver ameaça de ruína, a fim de se evitar um possível desmoronamento que possa colocar em risco a segurança da vizinhança.
Já no tocante às árvores limítrofes, apesar de corresponderem a situações bem específicas, são objetos de muitos conflitos cotidianos, o que demandou a criação de uma disciplina jurídica a respeito da questão.
Diante disso, a primeira previsão determina que as árvores que tiverem o tronco na linha divisória entre imóveis vizinhos sejam, presumidamente, de ambos os vizinhos. Assim, ainda que respeitadas as normas ambientais pertinentes, um vizinho não poderá derrubar tal árvore sem o consentimento do outro, por exemplo.
A legislação também permite que o proprietário corte os ramos e as raízes de árvores vizinhas que ultrapassem o perímetro dos imóveis, desde que isso não comprometa a vida do vegetal e respeite o limite do plano vertical que divide as propriedades.
Além disso, o Código Civil prevê que os frutos caídos de árvore de terreno vizinho serão de propriedade do dono do solo em que caírem, não podendo esse reclamá-los de volta.
No que diz respeito ao terceiro tópico do Direito de Vizinhança — as passagens forçadas — a lei determina que o dono de imóvel sem acesso a via pública, nascente ou porto possa, mediante indenização, exigir que o vizinho lhe dê passagem, a ser definida em juízo e considerando o local mais fácil e natural para cumprir essa finalidade.
De modo semelhante, também é permitido que o dono de imóvel possa exigir de seu vizinho, mediante indenização por danos eventualmente sofridos, a passagem de cabos e tubulações, para que possa ter acesso a serviços de utilidade pública.
Em relação às águas, a legislação também teceu diversas previsões. Por exemplo, o dono de um imóvel inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente de um terreno superior, não sendo permitido realizar obras que obstruam esse fluxo natural. De modo equivalente, o dono de um imóvel superior também não pode impedir o curso natural das águas remanescentes para seu vizinho inferior.
A lei permite também que um proprietário sem acesso a água, mediante prévia indenização a seus vizinhos por danos causados, construa canais em outros terrenos para captar águas indispensáveis às suas primeiras necessidades, de maneira semelhante ao direito de passagem de cabos e tubulações.
Quanto ao sexto tópico, o direito civil brasileiro estabelece que os proprietários têm o direito de tapar de alguma maneira (por meio de cercas, muro, valas, sebes vivas e outros materiais) o limite de seus imóveis. Nesse contexto, os objetos que servem de divisória são presumidos como de propriedade de ambos os vizinhos, sendo responsáveis, em iguais proporções, pelas despesas de sua construção e conservação.
Excetua-se a isso a necessidade de construção de tapumes especiais para impedir a passagem de pequenos animais, por exemplo. Nesse caso, somente quem gerou a necessidade de tal tapagem especial deverá arcar com as despesas.
Por fim, o Código Civil também traz limitações ao direito de construir. Por exemplo, o art. 1.300 proíbe qualquer tipo de construção que despeje águas nos prédios vizinhos. É vedada também a construção de janelas, eirados, terraço ou varanda a menos de um metro e meio do vizinho, salvas as janelas perpendiculares ou que não sejam viradas para o imóvel adjacente, que poderão ser abertas a até setenta e cinco centímetros da linha divisória. Essas vedações, contudo, não se aplicam a pequenas aberturas para luz ou ventilação que sejam construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.
Outra disposição importante é que, na zona rural, não é permitido levantar edificações a menos de três metros da divisória. Além disso, por força do art. 1.310, é igualmente proibido fazer escavações ou qualquer tipo de construção que tirem de um poço ou nascente de outro vizinho a água indispensável às suas necessidades.
Conforme apontado, o objetivo principal do Direito de Vizinhança é o de estabelecer regras que proporcionem o bom convívio entre proprietários e possuidores de imóveis vizinhos, garantindo direitos e determinando deveres para todas as partes. As situações mencionadas acima são algumas das possíveis situações envolvendo esses imóveis. Esteja sempre atento aos limites do exercício do direito de propriedade e, em caso de dúvida, procure o auxílio de um profissional qualificado.
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